Saturday, July 13, 2019

Biologia Sistêmica “ou” Biologia de Sistemas: um novo paradigma para as ciências biológicas e médicas

Presentemente, a biologia pode ser organizada essencialmente em duas “áreas” distintas, mas idealmente complementar: dry biology (“biologia seca”) e wet biology (“biologia molhada”). A wet biology é basicamente a biologia tradicional, ao passo que a dry biology são as novas formas de estudar sistemas biológicos valendo-se de computadores/modelos. Exemplos imperativos de dry biology são a ‘biologia sistêmica’ (também chamada de ‘biologia de sistemas’) e ‘biologia matemática’ (também conhecida como ‘biologia teórica’). Dado as linhas de pesquisa da dry biology seria possível empregar sistemas virtuais, alimentados por equações, para diagnóstico e prognóstico de condições médicas? Até que ponto podemos realmente ir na descrição matemática computacional de sistemas biológicos?

Neste artigo, vamos discutir alguns esforços nessa direção tendo um público não esperto como alvo. Atualmente, temos essencialmente três formas distintas de investigar sistemas biológicos, adotadas de formas unânime na comunidade científica, cada forma com sua própria história e limitações práticas. Sendo a junção destes approaches a forma mais interessante de investigação, quando possível: i) in vivo; ii) in vitro; iii) in silico. Experimentos in silico são feitos em computadores (valendo-se de modelos), com a expectativa de entender um sistema biológico (o sistema real), e é uma forma de dry biology.
Durante muito tempo no mundo científico, o pensamento reducionista predominou: sendo o alicerce das grandes conquistas dos últimos séculos e décadas. Nessa forma de pensar, de grande sucesso na física, parte-se/divide-se um sistema complicado/complexo em partes menores, e o investiga, para entender o todo. Essa forma de pensar funcionou até mesmo nas ciências da vida, como na “fisiologia tradicional” e Biologia Molecular. Contudo, essa forma de pensar começou a quebra, por exemplo, depois do projeto genoma: conseguiram sequenciar vários genes, mas isso não foi suficiente para entender os sistemas criados por genes: assim nasceu o conceito de redes de expressão genética (gene regulatory network); conceitos como redes complexas brotaram; a forma tradicional de pensar não consegue explicar o paradoxo ‘número de gene vs. complexidade do organismo’. Para superar essas limitações, começou-se a pedir um olhar “holístico”/integrado. Com isso, conceitos como propriedades emergentes (emergent properties) abrolharam. Apesar de ter todos os traços de áreas como biologia matemática, a biologia sistêmica nasce mais como uma filosofia (sendo os modelos matemáticos e computacionais, a concretização), na qual nenhum sistema biológico pode ser entendido de forma “particionada” /reducionista.
Um exemplo da aplicação da biologia sistêmica altamente explorado pode ser encontrado no estudo de câncer: oncologia (matemática). Tradicionalmente, câncer era associado a somente um gene: em teoria, silenciando esse gene, seria possível evitar/mitigar/tratar o câncer. Atualmente, a visão predominante é a de que câncer ocorre em ‘redes’, silenciando somente um gene não vai gerar efeitos em casos médicos em várias situações, e uma análise sistêmica deve ser feita para encontrar a melhor forma de ataque, que pode ser vários genes simultaneamente. Alguns chamam esses esforços de ‘(bio) medicina sistêmica’. Outro exemplo está nas ciências farmacêuticas. Atualmente, a ideia predominante é que somente um fármaco é suficiente para tratar a maioria dos casos médicos, em casos como do (a) AIDS/HIV, emprego de coquetel, não existe uma análise sistêmica entre os fármacos em abordagens tradicionais, somente o uso de fármacos simultaneamente (approach ad hoc), algo predominantemente empírico. Estudos feitos pela comunidade da biologia sistêmica procuram considerar empregar vários fármacos de forma simultânea, mas tendo uma visão sistêmica desta estratégia (como cada fármaco contribui para o todo, quais interações por exemplo esse fármaco mitiga).
Mudanças significativas no mundo científico têm acontecido constantemente, mas nas últimas décadas presenciamos mudanças e conquistas extraordinárias. Essas mudanças não têm ocorrido somente no mundo tecnológico, mas também em termos metodológicos, novos paradigmas, novas formas de encarar novos e problemas antigos, criando novas soluções para velhos problemas, como o diabetes; e as ciências biológicas têm sido um campo de grandes revolução e promessas para as décadas por vir, como o conceito de ‘medicina de precisão’ (precision medicine). O emprego de modelos matemáticos começou basicamente no começo do século passado, mas ganhou impulso com a criação e disseminação dos computadores. A biologia sistêmica é um dos filhos dessas mudanças/ ”revolução”, na qual interação é essencial para entender qualquer sistema biológico de forma complexa e fidedigna, como redes de expressão gênica. Essa área, em parceria com outras, como a biologia molecular e bioinformática, tem criado ideias ambiciosas, como o “humano virtual”, ou mesmo menores, como o “fígado virtual”, mas no mínimo uma coleção de modelos para processos-chaves para qualquer ser vivo, como processos metabólicos.

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